A preparação da dublagem e o lançamento de Branca de Neve e os Sete Anões no Brasil (1938)23/6/2022 Baseado no conto dos Irmãos Grimm e o primeiro longa-metragem de animação colorido da história do cinema, Branca de Neve e os Sete Anões vem encantando adultos e crianças desde 1937 e se tornou um marco na indústria cinematográfica e no desenvolvimento da animação mundial. Idealizado pelo gênio Walt Disney, o filme foi pioneiro em um grande feito no Brasil, o primeiro filme a ser totalmente dublado em solo brasileiro, numa época em que o conhecimento sobre o assunto era quase nulo e a aparelhagem não era adequada. Venha conhecer um pouco sobre todo o processo de gravação, divulgação e lançamento do filme em todo solo nacional. As negociações No final de Janeiro de 1938 foi anunciado um concurso de filmes pela RKO Radio Films chamado Ned Depinet Drive, nome em homenagem ao vice-presidente da poderosa companhia e distribuidora, Ned Everett Depinet, que renderia um enorme significado para o público e os exibidores. Seria por meio desse concurso que eles exibiram para as companhias cinematográficas mundiais seu acervo de filmes que seriam lançados naquele ano. Após a assinatura do contrato de exibição dos filmes da R.K.O Radio Films no Brasil, em 10 de Fevereiro de 1938, foi anunciada que a primeira exibição da animação que arrebatava plateias por todo os Estados Unidos seria à bordo do navio francês S.S. Normandie. Dado como o maior navio do mundo, ele fazia sua primeira visita em águas brasileiras, e a RKO escolheu a sala de exibição do navio para mostrar aos exibidores e funcionários de toda a RKO da América Latina o mais novo sucesso do cinema. Em 16 de Fevereiro de 1938 o Normandie atracou no litoral carioca. Sua sala de projeções foi cedida para um preview da animação, tendo como presentes a essa exibição os senhores Ben Y. Cammack, diretor geral da RKO da América Latina; Nathan Liebeskind, diretor gerente da RKO na Argentina; Bruno Cheli, diretor gerente da RKO do Brasil; Luiz Severiano Ribeiro e Luiz Severiano Ribeiro Jr., diretores da Companhia Brasileira de Cinemas; Julio Lloreti, diretor do programa Serrador; Pedro Esperança, gerente da filial da RKO em São Paulo, altos funcionários da RKO do Brasil e convidados. Os 83 minutos da animação encantaram cada um dos presentes e após essa exibição, foi apresentada pelos diretores americanos a proposta de uma versão do filme totalmente falada e cantada em português. Uma versão espanhola e outra francesa já haviam sido gravadas nos Estados Unidos, entretanto, Walt queria que versões internacionais abrangessem além do mercado norte americano, escolhendo o Brasil para gravar uma versão que também seria distribuída em Portugal e colônias africanas. No início de Março, funcionários da RKO buscaram por um estúdio cinematográfico que pudesse realizar tal missão. Diferente de alguns países europeus, o Brasil não tinha dublagem como obrigatória em filmes internacionais, e muito menos dispunha da aparelhagem adequada para a tarefa. As poucas dublagens em português que haviam sido feitas até o momento, eram em cine-jornais, exibidos antes dos filmes nos cinemas, e algumas produções da Paramount, no início da década de 30, todas gravadas em Nova York por Henrique de Almeida Filho. A escolha recaiu nos estúdios da Sonofilms, no Rio de Janeiro, cujos equipamentos de gravação haviam sido renovados no ano anterior, após seu fundador, Wallace Downey, viajar para os Estados Unidos e importar a moderna aparelhagem sonora da RCA High Fidelity para a gravação de seus filmes, tornando-se a primeira companhia brasileira a adquiri-los e atingir um alvo de perfeição. Dos estúdios da Disney foi enviado Jack Cutting, para supervisionar os trabalhos de gravação. Com uma equipe de excelentes profissionais, eles arcaram uma grande responsabilidade junto dos diretores da RKO. O roteiro do filme havia sido traduzido anteriormente nos Estados Unidos, por Gilberto Souto, que participou de um grande concurso para a realização do trabalho. Aqui no Brasil, o roteiro teve que ser adaptado para que tivesse uma melhor linguagem e que sincronizasse com o movimento labial dos personagens. Ruy Costa, roteirista e cenógrafo da Sonofilms foi encarregado disso. Toda a direção dos artistas foi realizada por Wallace Downey, entretanto, a direção das canções foi cuidadosamente feita por João de Barro, que, ao lado de Alberto Ribeiro, também realizou a tradução e adaptação das oito canções. Toda a parte técnica do som foi realizada por Moacyr Fenelon, dado como o maior técnico sonoro na época. De Hollywood vieram cinquenta discos contendo toda a dialogação e todo o canto do filme, uma cópia do filme em preto e branco, além de alguns milhares de metros de filme. Não só nos diálogos, como também nas canções, cada frase era separada por três pancadas. A gravação era feita da seguinte forma: primeiro era assistido o filme, para que os artistas estudassem a característica de cada personagem que iriam interpretar, seu tom e sua entonação. Então, o artista colocava um fone de ouvido, e, ao mesmo tempo em que ouvia no disco a interpretação da versão americana, deveria dizer no microfone a sua parte, começando e acabando juntamente com o disco e entre as três pancadas. Ou seja, a dublagem não era realizada enquanto se assistia ao filme, como é feito atualmente. Este método foi utilizado para dublagem das produções da Disney até 1953, com o filme As Aventuras de Peter Pan. Isto não era o mais difícil, porque as três pancadas marcavam o início e o final de cada frase, mas a tradução que veio de Hollywood não se adaptava completamente, não só aos movimentos dos lábios dos personagens, como também, muitas vezes terminava antes das três pancadas ou as ultrapassava. Essa parte foi magnificamente resolvida por Ruy Costa, que adaptou todo roteiro novamente. Ao decorrer das gravações, João de Barro auxiliava Wallace Downey e trocava uma coisa ou outra para se adequar ainda mais na sincronização. Foram dois meses de grande trabalho, em que os ensaios se prolongavam até altas horas da madrugada. Cada frase gravada era então cuidadosamente ouvida pelos técnicos e alguns funcionários da RKO, e não poucas vezes, era rejeitada e gravada novamente. Depois de pronta toda a gravação, tudo foi enviado aos estúdios em Burbank, onde foi feita a mixagem final com a orquestração, efeitos de som e etc. Muitas foram as dificuldades surgidas quanto a escolha daqueles que deveriam gravar as vozes de cada personagem. Diversos testes ocorreram com grandes talentos de diversas emissoras de rádio. Mesmo quando já estava gravado quase todo o filme, faltava ainda encontrar a voz que melhor se adaptasse ao papel da princesinha. Não que faltassem vozes bonitas entre nós, mas porque o papel demandava uma voz, além de clara, quase infantil. Finalmente, após uma enorme procura, pode ser completada a gravação em português de Branca de Neve e os Sete Anões. Phil Reissman, o então diretor da RKO, achou a voz brasileira do príncipe melhor que a do tenor americano, Harry Stockwell. Os seguintes artistas foram encarregados dos seguintes personagens: Branca de Neve:Para o papel da princesinha Branca de Neve, foram escolhidas duas vozes para dar vida à personagem. A grande cantora e atriz Dalva de Oliveira, então pertencente ao conjunto Trio de Ouro, ficou responsável pela parte dos diálogos. Sua voz suave e quase infantil se adequou perfeitamente à personagem. Já nas canções, foram magistralmente interpretadas por Maria Clara Tati Jacome, uma cantora soprano que fazia sucesso em rádio cantando músicas líricas Rainha Má e Mendiga:Para o papel da malvada Rainha Má, a grande atriz de teatro e rádio Cordélia Ferreira foi convocada para trazer toda vida à primeira vilã das animações Disney. Já sua versão transformada em Mendiga, que entregaria a maçã envenenada para a pobre princesinha, foi interpretadas por Estephania Louro, que por muitos anos atuou com sucesso em teatro, mas que na época destacava-se mais em rádio. Príncipe e Caçador:O cantor que dispensava adjetivos, Carlos Galhardo, interpretou os diálogos e canções do Príncipe Encantado. Já o malvado Caçador, que é incumbido de matar Branca de Neve, foi interpretado pelo cantor baixo e ator Túlio de Lemos. Espelho Mágico:A maior patente do rádio, o conhecido ator e cantor Almirante, trouxe vida ao Espelho Mágico. Posteriormente, ele seria convocado em todas as dublagens da Disney com participação do João de Barro. Os Sete Anões:Grande atores e cantores de rádio e teatro foram convocados para dar vida aos simpáticos Sete Anões, que acolheram Branca de Neve em sua humilde casa na floresta. Almirante, que também era a voz do Espelho Mágico, também atuou como o Mestre, líder do grupo. Aristóteles Penna desempenhou o papel do Zangado, sendo uma das suas únicas experiências com gravação e cinema. O famoso ventrículo e cantor do gênero caipira Baptista Junior interpretou dois personagens, os anões Dengoso e Somnéca. Delorges Caminha, que posteriormente se tornaria um dos mais conhecidos atores do Brasil, foi a voz do sorridente anão Feliz. Um dos mais antigos atores de teatro e rádio, Edmundo Maia, trouxe toda vida ao Atchim. O Dunga, como se sabe, não fala. O Coro dos Sete Anões:Para o coro das canções Cavando a Mina, Eu vou, Eu vou e Canção Maluca grandes cantores do cenário musical foram escalados para interpretar as cativantes canções dos sete anões, foram eles Almirante, Baptista Junior, Bob Lazy, Castro Barbosa e Odyr Odilon. A estreia Como de costume, o Rio de Janeiro foi escolhido para sediar a estreia do filme. Naquela época, os filmes não estreavam simultaneamente em todos os estados. As cópias circulavam em meses e até anos diferentes. Dois cinemas foram escolhidos para, simultaneamente, exibirem o filme, o São Luiz e o Odeon, um feito inédito naquele período. Técnicos americanos vieram ao Brasil para trocar a aparelhagem de som e calibrar os projetores para que tudo ocorresse bem. Em Julho começou uma divulgação nos jornais e nas estações de rádio. Pouco a pouco o público ficou cada vez mais eufórico para conferir a produção que estava conquistando o mundo e impressionando os críticos. Após uma exibição de sucesso no Palácio de Buckingham para as princesas Elizabeth e Margaret, uma sessão especial no Palácio Guanabara foi planejada para o presidente Getúlio Vargas, sua esposa, família, convidados e importantes figuras políticas. Em 20 Agosto de 1938 uma cópia recém chegada da versão dublada foi exibida e uma carta escrita pelo próprio presidente foi enviada à RKO com os seguintes dizeres: “Ao Sr. diretor da RKO, restituindo-lhe o filme desenho colorido Branca de Neve e os Sete Anões, que gentilmente nos cedeu para ser exibido em Palácio, desejo agradecer-lhe a oportunidade que nos deu de apreciar uma das mais fantasias realizações cinematográficas e certamente a mais interessante. Walt Disney conseguiu aliar, neste seu trabalho, a perfeição técnica a graça e ingenuidade dos contos infantis, agradando aos grandes e aos pequenos. É esta a opinião do sr. presidente, que viu Branca de Neve e os Sete Anões com atenta curiosidade, indagando os pormenores de sua execução. A RKO Radio Pictures está de parabéns. Cordiais saudações, Getúlio Vargas.” Já não havia dúvidas do sucesso que Branca de Neve e os Sete Anões iria exercer no Brasil. Novamente, a RKO ofereceu uma outra sessão da cópia dublada, mas, desta vez, à alta sociedade carioca, convidados especiais, imprensa, críticos, intelectuais e cinegrafistas. A gravação foi descrita como clara, perfeitamente inteligível e apenas com mau grado em certas falhas de sincronização que se verificam nas falas da Rainha e da Branca de Neve. A sessão ocorreu na manhã de 2 de Setembro de 1938, no Cine São Luiz. Neste mesmo dia, o cinema ofereceu uma canção do filme para ser transmitida na Rádio Nacional, às 20h30. Em 5 de Setembro de 1938 Branca de Neve e os Sete Anões chegava para o público geral. As sessões começavam às 14h e terminavam às 23h30. As bilheterias do São Luiz e do Odeon não conseguiram atender a quantidade de pessoas que desejavam adquirir um ingresso para assistir à primeira exibição do filme, esgotando-se totalmente a lotação dos cinemas durante a tarde e a noite. Alguns milhares de senhores e senhoras deixaram de assisti-lo por falta de lugares. No Largo do Machado, o tráfego foi interrompido durante largo espaço de tempo e o São Luiz quase não comportava uma enorme multidão que se comprimia para conseguir o seu ingresso. No Cine Odeon a concorrência não era menor e muitas pessoas que já haviam adquirido os seus ingressos, tiveram que esperar pela sessão seguinte. 14.753 pessoas assistiram ao filme em seu primeiro dia de exibição e outras 191.864 pessoas aclamaram a produção nas cinco semanas de sucesso que ele ficou em cartaz. O São Luiz teve um recorde histórico de matinais abertas para comportar todas as pessoas. Ao contrário do que é dito em diversos sites, a dublagem de 1938 não se perdeu por mal armazenamento e preservação, já que essas cópias eram destruídas após 2 ou 3 anos de incansáveis exibições por todo o Brasil. Novas cópias dubladas do filme foram feitas em 1944 e 1952 para relançamentos no cinema. Assim, a dublagem não se perdeu pela má preservação brasileira, mas sim por ela se tornar obsoleta ao decorrer dos anos. A matriz dublagem é até hoje armazenada nos estúdios da Disney, em Burbank, Califórnia, todas as cópias eram impressas nos Estados Unidos e enviadas para o Brasil, Portugal e colônias para serem exibidas. Em 1965, quando o filme foi exibido pela terceira vez no cinema, a linguagem antiquada e a falta de técnica sonora fizeram com que o estúdios Disney solicitassem uma nova dublagem, o mesmo fato ocorrendo em 1966, 1969 e 1973 com os filmes Pinóquio, Bambi e Dumbo, todos com a dublagem gravada anteriormente na Sonofilms. Segue agora um raro registro da primeira dublagem de Branca de Neve e os Sete Anões. Notasse como Dalva de Oliveira possuía uma voz bem mais suave e fina em 1938, diferente da potente voz que voltou em 1948 e 1954 para a gravação dos discos infantis da Continental: O filme foi um enorme sucesso por cada estado que foi exibido, ganhou versões teatrais, adaptações para rádio e brinquedos, partituras musicais e produtos domésticos foram comercializados com a temática. No Carnaval de 1939, a escola de samba Vizinha Faladeira dedicou seu enredo ao filme, sendo desclassificada por infringir o regulamento UGESB, por apresentar um assunto internacional. Dalva de Oliveira fantasiou-se de Branca de Neve e promoveu o enredo no Rio de Janeiro e em São Paulo, que ficou conhecido como Cabana dos Sete Anões. Um grande cenário com as personagens e cenários do filme foi construída no grill-room do Esplanada Hotel, para fazer a alegria de toda a garotada paulistana. Ela também se apresentou em diversas emissoras de rádio, falando e cantando pela personagem ao público infantil. A pergunta que mais intriga os fãs do filme e de dublagem é se, algum dia, poderemos assistir na íntegra essa dublagem? Esperamos que alguma cópia tenha sobrevivido com algum colecionador de memórias cinematográficas e seja compartilhada com o público geral, assim como ocorreu com as versões Francesa, Tcheca, Dinamarquesa, Holandesa, Alemã, Italiana e Sueca.
1 Comment
Luis Eduardo
14/7/2022 21:04:39
Achei Incrível todas essas informações! Impressionante sua curadoria e como vc consegue saber tudo isso, achei fascinante
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Leonardo ForliRadialista e fanático pelo mundo Disney. Histórico
Junho 2022
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